Quando recebi uma das notícias que mais balançou o meu mundo, estava sentada no meio-fio de uma rua que costumava amar passear, em frente a uma loja que sempre achei bonita, mas que tinha fechado recentemente.
Lembro que estava tomando um café que considerava ser um dos meus favoritos - só perdendo para o finado capuccino do Bloco 23 - e me recordo de ouvir a solene notícia e começar a sentir o café amargar e ficar ácido na minha boca.
O meu mundo havia caído e tudo o que eu gostava estava entrando em decadência. E eu, que sempre sonhei em sair da minha bolha de conforto, pela primeira vez reparei que ela era cômoda. E a ver estourando doía.
Um mês e meio depois, fui entrar no shopping de perto da faculdade e vi que a loja fechada não tinha acabado. Estava apenas em um endereço novo. Em um lugar grande e de destaque no shopping. O café também tinha aberto uma filial maior. Eu tinha me adaptado ao mundo brutal e estranho que se abriu para mim, e estava tentando mais uma vez realizar o meu sonho.
Fiquei pensando sobre isso desde então. Acho que o maior aprendizado que consegui extrair foi de que, os mundos em que vivemos não simplesmente acabam. Eles mudam, se adaptam, ficam pequenos demais para as nossas bolhas e vão procurar lugares maiores para habitarem. Mas eles nunca somem, só se somam com os novos que descobrimos.
Não passeei mais naquela rua, mas descobri novas ruas tão agradáveis quanto. E eu sei que posso voltar lá quando quiser.
Este filme segue a história de Shizuku, uma menina prestes a começar o ensino médio e que ocupa os seus dias lendo e seguindo gatos pelas ruas de Tóquio. As coisas começam a mudar quando ela percebe que todos os livros que pegou emprestado na biblioteca haviam sido também lidos pelo mesmo garoto. Shizuku resolve se aprofundar no mistério da identidade deste menino e, com isso, somos levados ao íntimo do seu consciente.
Sussuros do Coração é o meu filme preferido do Studio Ghibli (e provavelmente da vida) por um motivo muito simples e um pouquinho egocêntrico: eu me identifico pra caramba com a Shizuku.
Os devaneios, a obsessão inexplicada por certos temas, a paixão pela escrita/leitura e a insegurança são todos elementos muito presentes na minha vida e na vida da protagonista. Mesmo estando a poucos dias de começar a faculdade, ainda sinto que não encontrei exatamente a minha vocação e objetivo de vida. E tenho plena consciência de que, assim como Shizuku, meus pontos positivos ainda precisam ser desenvolvidos - ou "polidos", como nós vemos ao longo do filme.
Também, assim como Seiji (um personagem muito importante para a trama, mas que eu não vou dar contexto a ele para não dar spoilers), anseio por uma aventura. Mesmo sabendo que ela pode acabar não atendendo todas as minhas expectativas.
E, como falar sobre "Sussuros do Coração" sem falar sobre gatos? Os meus animais preferidos tem uma importância chave para a história, e foram tão amados pelo público que, poucos anos depois, ganharam o seu próprio filme e desenvolvimento em "O Reino dos Gatos". Diga-se de passagem que, "O Reino dos Gatos" foi o meu primeiro anime e contato com a mídia japonesa na minha vida, e eu não acho que poderia ter tido uma introdução melhor. Se você também se apaixonou pelo romance do Barão e quer um Muta/Moon para si, então a "sequência" deste filme é uma ótima escolha.
E, para finalizar, não tem como elogiar este filme sem também aplaudir Yoshifumi Kondo. O diretor deste filme foi um marco para a história do Studio Ghibli, sendo o primeiro nome a dirigir uma obra do estúdio sem ser Hayao Miyazaki. Kondo, inclusive, chegou a ser cotado como um nome revelação para o futuro do Ghibli, mas infelizmente morreu poucos anos depois aos 47 anos.
Um filme totalmente singular no meio de todas as produções do Studio Ghibli. Confesso que, se você está começando a assistir os filmes do estúdio, talvez "Sussuros do Coração" não seja a melhor opção para começar, já que é um filme mais "urbano" e focado no drama dos personagens. Mas, se você tiver o coração aberto para uma história fantástica, tenha certeza que este filme não vai te decepcionar.
PS: Tem na Netflix.
PS2: Assista com legendas em português. A tradução para o inglês destruiu alguns dos diálogos mais bonitos do filme todo.
