Provisoriamente não cantaremos o amor,
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,
não cantaremos o ódio porque este não existe,
existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
o medo dos grandes sertões, dos mares, dos desertos
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte,
depois morreremos de medo
e sobre os nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.
- Congresso internacional do medo, Carlos Drummond de Andrade
Assisti há alguns dias o filme "Great Freedom", 2021. O filme segue a história de um homem gay no pós segunda guerra na Alemanha Ocidental.
Por cerca de 120 anos, existiu um parágrafo na constituição alemã que criminalizava a homossexualidade. Mesmo depois da queda do nazismo, o parágrafo 175 continuou a ser aplicado. Isso significava que, mesmo depois de serem "libertados" de campos de concentração e prisões, muitos homens gays continuaram sendo vistos como "criminosos".
É isso o que aconteceu com Hans, o protagonista do filme. Mesmo depois de sobrevier a um campo de concentração, ele foi condenado à prisão por conta do parágrafo 175. Na cadeia, ele passa a dividir a cela com Viktor, um homem condenado por assassinato. A relação dos dois muda bastante ao longo dos anos, e o filme mostra isso de uma forma muito sensível - ou da forma mais sensível possível, considerando que 95% da história é assombrada pela violência policial, o medo e a homofobia.
Este filme me lembrou muito o poema "Congresso internacional do medo" do Drummond. Talvez seja por conta do período histórico em que foi escrito (o poema é de 1940 e o filme começa em 1945), mas, para mim, o poema é o retrato perfeito dos personagens e do ambiente que os cerca.
Hans é seguido pelo medo em todas as ações que faz, ele tem medo de manchar o futuro dos homens que ama, de não ter um lugar no mundo, de perder as poucas pessoas que não o tratam com desprezo e, acima de tudo, uma espécie de medo inerente de si mesmo. Ao longo da trama, também é possível ver como todos os outros personagens aquileanos compartilham desse medo. Eles não chegam a sentir ódio de alguma coisa específica, e sim medo.
Ao mesmo tempo, temos uma sociedade homofóbica e covarde que tem medo de aceitar estes homens como seres humanos. Em um país que se considerava "democrático", pessoas eram presas e sujeitas à todo o tipo de violência pelo simples ato de amar outra pessoa.
O final de "Great Freedom" foi, de longe, o que mais me abalou. É comum em filmes que se passam em cadeias ter a clássica cena dos personagens livres no final. Mas esse filme vai pelo caminho oposto. Ele mostra como Hans não tem absolutamente nada o prendendo ao mundo de fora, mas como ele tem algo (alguém, no caso) que o mantém orbitando aquele local que o tratou tão mal.
Eu não sou, de jeito nenhum, uma especialista em história alemã ou queer. Estou sempre buscando aprender mais, mas neste processo, posso cometer erros ou enganos. Caso você quiser me corrigir em algum ponto falado, por favor, sinta-se mais do que livre para fazer isso de forma respeitosa nos comentários. E, caso você queira estudar mais sobre a história alemã ou queer, recomendo buscar o conteúdo maravilhoso de muitos historiadores.
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